sábado, 24 de abril de 2021

Herdeiros do Mosteiro Beneditino em São Romão de Neiva - Viana do Castelo, apelam por ajuda para evitar a ruína deste edifício histórico

 

O JN divulgou há dois dias a notícia que “Mãe e filho vivem sozinhos em mosteiro de 1190 m2 e procuram ajuda para evitar ruína.

# Desde a década de 90 foram sendo feitas "obras pontuais" para tentar estancar o peso do tempo, mas "urge" uma intervenção de fundo que os oito herdeiros não têm como realizar e veem na venda a única solução para o salvar.

Segundo o DN, “Os herdeiros do mosteiro beneditino em São Romão de Neiva, Viana do Castelo, querem ajuda para salvar da ruína um "diamante em bruto" que "guarda" vestígios históricos que atiram a sua origem para 1087, antes da fundação de Portugal.

"Esta casa acompanhou o nosso país. Quem vê por fora não se apercebe do diamante em bruto e dos segredos históricos que ainda pode vir a revelar", afirmou esta quinta-feira à Lusa Charles Bertrand, nome francês, país de onde é natural e onde viveu até 1987, ano em que a mãe decidiu regressar a Viana do Castelo para cuidar dos pais.

"Gostava de ver o mosteiro com o esplendor de outros tempos, e se isso significa ter de o vender valerá a pena, porque nos iria dar paz mental", adiantou o engenheiro de computação gráfica e multimédia, de 35 anos.

Charles e a mãe são os únicos residentes da ala norte do mosteiro beneditino, "um dos primeiros", diz, que a ordem religiosa terá construído em Portugal, tem a forma de um U e está "todo interligado entre si".

Classificado como imóvel de interesse público pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) desde 1980, encontra-se "em avançado estado de degradação", ao lado da igreja e do cemitério de São Romão do Neiva.

Viver no mosteiro, que tem cerca de 1.190 metros quadrados (m2) de área coberta, 40% dos quais em ruína, e cerca de 6.000 m2 de terreno, implica "abnegação". Apesar da sua imponência "e de parecer muito luxuoso, não tem o conforto" de uma "casa normal".

"Aquecer uma casa deste tamanho, neste estado, é uma tarefa impossível. No inverno conseguimos aquecer a cozinha, mas dormir em quartos quentes é um sonho", desabafa.

Para recuperar o teto da única ala ainda habitável "são precisos mais de quatro a cinco mil euros".

"Custa muito a pôr esse dinheiro de lado e depois, como o telhado não está no melhor estado, seria um remendo. Mais valia queimar o dinheiro", afirmou.

O mosteiro foi comprado pelo bisavô, Manuel Gomes da Costa Castanho, em 1916 ou 1917, e herdado por oito dos seus 12 filhos.

Castanho emigrou "pobre" de Vila Nova de Anha e regressou "rico" do Brasil. Comprou, "em leilão, por 33 contos [cerca de 165 euros]", uma verdadeira fortuna na altura, o 'pack' completo que incluía o mosteiro, a igreja, hoje administrada pela diocese de Viana do Castelo, e o cemitério, entretanto entregue à Junta de Freguesia de São Romão do Neiva, na margem esquerda do rio Lima.

Já nessa altura, o emigrante que se tornou Major, título que comprou para poder casar com a bisavó de Charles, filha de viscondes, teve de fazer obras no edifício que usou como local de "isolamento" durante a gripe espanhola.

Explicou que o bisavô ajudou a estancar a gripe espanhola nas terras de Neiva, por ter montado nos terrenos do mosteiro "uma espécie de míni hospital para os doentes ficarem em quarentena" e por, durante anos, dar trabalho ao povo da zona ou "alugando-lhes terrenos para cultivo".

Durante aquela epidemia a família viveu "fechada" no mosteiro, subsistindo com o que produzia nos campos, com os animais que criava e com a água que vinha da mina, no meio do monte, quase em Castelo de Neiva, através de um aqueduto.

Quando, em 2008, começou a desenhar a árvore genealógica da família e a estudar a história do mosteiro percebeu a razão do termo que lhe foi atribuído nas redondezas.

"Crescer nesta casa ajudou-me a gostar muito de história. Desde miúdo que faço visitas guiadas, algumas a estudantes da Universidade do Minho, e, às vezes, os visitantes trazem-me informações que eu não tinha e ajudam-me a completar um 'puzzle' muito complexo, mas muito interessante", explicou.

Charles chegou à "casa" de onde os monges beneditinos foram expulsos em 1834, com a extinção das ordens religiosas, com apenas 2 anos.

A vantagem da abundância de espaço, onde "um corredor de 27 metros de cumprimento" lhe permitia "andar de skate ou bicicleta em dias de chuva", tem um "reverso da medalha": "a frustração e impotência para travar o avançar da degradação" e de lhe "devolver o esplendor que já teve no passado".

"Quando me perguntam o valor da casa, não sei responder porque para mim não é quantificável. Se realmente se conseguir provar que há vestígios de que teria sido uma abadia, que antes foi uma igreja visigótica e ainda antes uma igreja romana, temos um período de história que vai quase até Jesus Cristo. Temos um período de história anterior à existência de Portugal, porque o registo é de 1087", destacou durante a visita guiada à Lusa feita por entre ruínas e pedaços de história.

Pelo espaço abundam "vestígios" que precisavam de ser estudados, uma "série de construções, como camadas umas em cima de outras", "sinais" do jardim privado dos monges, "com um pomar gigante a que só eles tinham acesso e onde muita gente das aldeias vizinhas trabalhou".

Além dos "primeiros claustros, que seriam da Idade Média, os do mosteiro, inacabados, foram iniciados em 1730 e são quase uma cópia do mosteiro de Tibães, em Braga".

"Por isso chamam ao mosteiro de São Romão do Neiva a irmãzinha de Tibães. Todo o altar da igreja veio de Tibães. Tenho os documentos das multas pagas para poder transportar as peças grandes", aponta Charles.

Este mês pediu ajuda ao IHSHG - International History Students and Historians Group, grupo que reúne cerca de 6.000 membros entre estudantes, graduados, mestres, doutores, arqueólogos e professores de História de todo o mundo.

Já em 2018, uma equipa liderada pela professora Graça Vasconcelos, da Universidade do Minho, realizou um trabalho que resultou numa proposta de recuperação do mosteiro apresentada numa conferência internacional promovida pela associação YOCOCU (Youth in Conservation of Cultural Heritage Portugal) Portugal.

Desde a década de 90 foram sendo feitas "obras pontuais" para tentar estancar o peso do tempo, mas "urge" uma intervenção de fundo que os oito herdeiros não têm como realizar e veem na venda a única solução para o salvar.

"Ver o mosteiro no chão seria o pior (...). Gostaria de o ver usado de uma maneira bonita, restaurado com respeito pela sua história", referiu, lembrando que serviu de albergue de peregrinos a caminho de Santiago de Compostela, na Galiza.”